Juvandia Moreira: Itaú passou motosserra em mais de 16 mil empregos desde março de 2011
publicado em 25 de agosto de 2014 às 17:02
Juvandia Moreira: “O discurso do Itaú de banco sustentável está muito longe da realidade, da sua prática; é propaganda enganosa”
por
Conceição Lemes
Na última terça-feira 19, aconteceu, em São Paulo, a primeira rodada de negociação da campanha nacional dos bancários de 2014.
Nos seis primeiros meses de 2014, os cinco maiores bancos atuando no
Brasil tiveram lucro líquido de R$ 28,5 bilhões. Alta de 16,5% em
relação ao mesmo período de 2013.
O Itaú Unibanco foi o campeão. No primeiro semestre de 2014, lucrou
R$ 9,5 bilhões. Salto de 33,2% comparado ao primeiro semestre de 2013. O
dobro da média dos cinco maiores bancos.
Na mesma semana,
Maria Alice Setúbal, a Neca, coordenadora do programa de governo de Marina Silva, disse em entrevista à
Folha e ao UOL que, se eleita, a candidata do PSB à presidência da República dará autonomia formal, por lei, ao Banco Central.
Neca é filha do banqueiro Olavo Setúbal (1923-2008) e acionista do
Itaú, assim como a sua família. Participa do Conselho Consultivo do
banco.
O Itaú foi autuado pela Receita Federal e recebeu uma multa de quase R$ 19 bilhões.
“Mesmo lucrando tanto, o Itaú cortou 16.602 postos de trabalho de
março de 2011 a junho de 2014”, denuncia Juvandia Moreira. “O banco diz
que está fazendo ajustes, mas é demissão em massa, mesmo, para
potencializar os seus lucros. Quem fica, fica sobrecarregado.”
“O Itaú fez uma reestruturação e deixou agência com dois funcionários
apenas: um caixa e um gerente operacional”, revela. “Eles não tinham
pausa no trabalho, que é obrigatória por lei. É impossível isso. O
cliente não é bem atendido e o trabalhador, sobrecarregado, adoece.
Falta compromisso social do banco.”
“O discurso de banco sustentável está muito longe da realidade, da sua prática ”, avalia Juvandia. “É propaganda enganosa.”
“O Itaú deveria ser mais responsável com os seus trabalhadores, assim
como com a sociedade, praticando tarifas e taxas de juros mais
plausíveis”, defende.
Juvandia Moreira é presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.
Justamente a base sindical onde o Itaú tem o maior número de
funcionários. Ela integra o comando nacional da categoria que está
negociando com a Federação dos bancos (Fenaban) a pauta de 2014.
Segue a nossa entrevista na íntegra. Nela, Juvandia faz uma
radiografia do Itaú, principalmente da relação do banco com os seus
trabalhadores, revelando um retrato desconhecido fora da categoria.
Viomundo – Neca Setúbal, coordenadora do programa de governo
de Marina, diz que ela, se eleita presidenta, dará autonomia formal,
por lei ao Banco Central. O que acha?
Juvandia Moreira – Nós, bancários, somos contrários.
No Brasil, a única responsabilidade Banco Central é cuidar da moeda.
Nós defendemos um BC atento também à questão do emprego.
Se ele toma uma medida que afeta o setor produtivo, ela,
consequentemente,vai atingir o emprego. Achamos que o Banco Central tem
que dialogar com as políticas do governo. Não pode ser independente de
forma alguma. Insisto: a independência total do Banco Central seria ruim
para o trabalhador.
Viomundo – No primeiro semestre de 2014, o Itaú teve lucro líquido de R$ 9,5 bilhões. O que representa isso?
Juvandia Moreira – O lucro do Itaú aumentou 33% num
semestre. Se olharmos outros setores da economia, supera o de todos os
outros setores. Supera ainda o dos demais bancos (
veja tabela ao final).
Esse lucro significa também que é alta a taxa de juros cobrada dos
consumidores pelo Itaú. Nós só perdemos atualmente para Madagascar e
Malaui.
Viomundo – Mas a alta taxa de juros ao consumidor não é exclusividade do Itaú.
Juvandia Moreira — Concordo. A taxa de juros
cobrada do consumidor é mais ou menos parecida nos diferentes bancos.
Mas no Itaú ela é muito alta. A do cheque especial está em 172,39% ao
ano!
Veja outras taxas de de juro cobradas pelo banco.
Viomundo – No que o Itaú Unibanco se diferencia dos outros bancos?
Juvandia Moreira – Demissão em massa. Mesmo
lucrando tanto, o Itaú eliminou 14 mil postos de trabalho de junho de
2011 a junho de 2014. E se considerarmos de março de 2011 a junho de
2014, o corte é ainda maior: 16.602.
Em março de 2011, o quadro de empregados do Itaú Unibanco era de 104.022 pessoas. Em junho de 2014, caiu para 87.420.
Nesse período, portanto, o número trabalhadores foi reduzido em
16.602. E esse corte seria ainda maior se, em 2013, o Itaú não tivesse
agregado 1.194 trabalhadores provenientes da Credicard, incorporada pelo
banco.
Viomundo – O Sindicato cobrou essas demissões? Qual a alegação do Itaú?
Juvandia Moreira – Cobramos, claro. Fizemos
paralisações. Denunciamos. O Itaú nega que fez demissões em massa. Diz
que está fazendo ajustes. Só que são demissões em massa, mesmo!
Cortou postos pra potencializar ainda mais os seus lucros. Os
trabalhadores que ficam no emprego, ficam sobrecarregados demais. Essa é
uma realidade nacional do que acontece no Itaú.
Viomundo – Esses 16,6 mil postos eliminados ocorreram onde?
Juvandia Moreira — O banco não divulga esses dados.
Mas é claro que o corte foi maior em São Paulo, onde o Itaú tem o maior
número de trabalhadores. Mas os cortes não foram numa área só.
Ocorreram nos centros administrativos e nas agências. Foi de forma
generalizada, no Brasil inteiro.
Viomundo – Quando vocês questionam essas demissões o Itaú leva em conta?
Juvandia Moreira – Imagina, claro que não! Tanto que
na próxima semana nós vamos discutir com a Fenaban as demissões nos
bancos privados. É uma grande prioridade nossa.
Do nosso ponto de vista, os bancos estão fazendo uma nova
reestruturação. Eles estão transformando as agências em agências de
negócios. Expulsando o cliente de dentro da agência. É uma dificuldade
hoje em dia você pagar uma conta de luz ou água, por exemplo, numa
agência. Os bancos estão se recusando a fazer esse serviço e eles não
poderiam se recusar a fazê-lo.
Viomundo – No Itaú também?
Juvandia Moreira – Também. O recebimento de contas é hoje em dia considerado custo pelos bancos; então, eles querem eliminar esse custo.
Eles querem que você coloque as contas no débito automático. Ou que
vá pagá-las nos correspondentes bancários, que são principalmente as
lotéricas.
Viomundo – Neste momento, que banco está demitindo mais?
Juvandia Moreira — O Santander. De junho de 2013 a
junho de 2014, ele eliminou quase 3 mil postos de trabalho. Ele também
foi o que proporcionalmente mais cortou de 2011 para cá. Agora, em
números absolutos, o campeão é o Itaú.
São postos cortados, eliminados. Não são puramente demissões, cujas
vagas serão preenchidas na sequência. Agora, se formos considerar as
demissões para contratar outros funcionários, muitas vezes ganhando
menos, os números crescem muito mais. Isso é o que nós chamamos de
rotatividade da mão de obra, que também está na pauta da campanha
salarial de 2014.
Viomundo – O Itaú Unibanco divulga esses números?
Juvandia Moreira – Não.
Viomundo — E como vocês ficam sabendo?
Juvandia Moreira – Pelos balanços. Também nas conversas e reuniões com bancários de todo o Brasil.
Viomundo – A propaganda do Itaú diz que é um banco preocupado com você, ou feito para você. Como ficam os bancários nessa história?
Juvandia Moreira – Os trabalhadores que se danem. Itaú, Bradesco, Santander e HSBC só pensam em potencializar os seus lucros.
O discurso de banco sustentável, preocupado com o social, está muito
longe da realidade, da prática do Itaú. É propaganda enganosa.
Este ano nós tivemos de parar uma agência do Itaú na Zona Norte da cidade de são Paulo porque só tinha dois funcionários.
O Itaú fez uma reestruturação e deixou a agência apenas com um
gerente operacional e um caixa. Eles não tinham pausa, que é obrigatória
por lei.
Viomundo – Os dois funcionários faziam tudo?!
Juvandia Moreira – Tudo! Nós conseguimos colocar mais um funcionário na agência.
Viomundo –
Em entrevista na semana passada, você me disse que a alta
lucratividade dos bancos era à custa das demissões, condições
inadequadas de trabalho, metas abusivas e da saúde dos seus
funcionários, entre outros fatores. Isso acontece também no Itaú? O Itaú tem algum diferencial em relação à questão saúde?
Juvandia Moreira – Sim. E sim. Tem um problema que
está acontecendo no Itaú e nós estamos questionando. É a revalidação de
atestado médico, que é proibido pelo Código de Ética Médica.
Viomundo – O que é revalidação do atestado médico?
Juvandia Moreira – O funcionário passa no médico do
convênio que o Itaú disponibiliza para os seus funcionários. O médico
diz que ele tem uma depressão grave e precisa de um afastamento de 60
dias, por exemplo.
Acontece que, para afastamento acima de 15 dias, o funcionário precisa de um atestado do banco para dar entrada no INSS.
O que faz o Itaú? Marca para o funcionário passar no médico do trabalho da empresa. í, o médico diz:
você
não vai ficar afastado 60 dias, você tem só gastrite…vai cuidar da sua
gastrite. Afastamento de cinco dias resolve o teu problema.
Isso é a revalidação do atestado médico, uma coisa que o Itaú tem feito muito aqui em São Paulo.
Viomundo – E aí o que acontece?
Juvandia Moreira – Como o funcionário não vai para o
INSS, o caso não caracteriza possível adoecimento decorrente do
trabalho. Com isso, o Itaú subnotifica os números dos seus adoecimentos.
Viomundo – Por quê?
Juvandia Moreira – Normalmente é para diminuir o
tempo de afastamento, para que não seja superior a 15 dias, pois, aí, o
caso tem de ser notificado ao INSS.
O INSS tem uma classificação sobre o grau de risco no ambiente de trabalho. Os bancos em geral têm grau 3. É o máximo de risco.
Pois bem, dependendo do número adoecimentos a empresa, aumenta a
porcentagem de imposto que ela terá de pagar sobre a sua folha de
pagamento. Esse imposto chama-se Seguro Acidente de Trabalho (SAT).
Viomundo — O imposto é proporcional ao número de pessoas afastadas por doenças relacionadas ao trabalho?
Juvandia Moreira — Sim. A alíquota de 1% é quando a
atividade do setor é considerada de risco leve, 2% de risco médio e 3%
quando o setor apresenta risco grave.
Isso depende do risco associado àatividade preponderante da empresa.
No caso do Itaú a alíquota é de 3%, pois o risco dos bancos é
considerado grave.
Viomundo – Em termos de dinheiro, quanto representa?
Juvandia Moreira — O banco não disponibiliza essa
informação, mas com base nas despesas com remuneração de pessoal
estima-se que o gasto em 2013 tenha sido da ordem de R$ 195,4 milhões.
Viomundo – Ou seja, o Itaú subnotifica as doenças do trabalho. Mesmo escondendo a realidade, ele tem risco 3?
Juvandia Moreira — É. Por isso mesmo eles escondem
os números de adoecimentos. Nós queremos que o Itaú pare de revalidar o
atestado médico. Para a Febraban, a função do médico do trabalho é fazer
isso. Nós achamos que não.
Primeiro, o Código de Ética Médica proíbe que o médico revalide um atestado de outro médico.
Segundo, a função do médico do trabalho não é revalidar atestado de
outro médico. Ele tem de estar preocupado em verificar se aquele
ambiente de trabalho está causando adoecimentos ou não. Se estiver, ele
tem de propor mudanças.
Terceiro, a própria legislação diz que a função do médico do trabalho
é preventiva. Ou seja, principalmente acompanhar os exames periódicos e
detectar onde estão os problemas que podem gerar doenças na empresa e
orientá-la nas mudanças.
Não é o que nós temos visto nos bancários em geral. Muito pelo
contrário. Nós temos visto eles não darem o afastamento, diminuírem para
menos de 15 dias, mudarem o CID [Código Internacional de Doenças], de
forma a que o problema não se relacione a uma doença do trabalho.
Em vez de adotar políticas que melhorem o ambiente de trabalho e,
assim, reduzir os adoecimentos, eles querem reduzir o risco nos bancos,
escondendo as doenças.
Viomundo – Por quê?
Juvandia Moreira – Apenas com a intenção de reduzir o
[pagamento do] SAT. Se a empresa é responsável, o que ele faz?
Melhora o ambiente de trabalho e não esconde os adoecimentos. Esconder
adoecimentos não é atitude de empresa responsável.
Viomundo – Na sua opinião, o que o Itaú deveria fazer?
Juvandia Moreira – Deveria ser mais responsável com os seus trabalhadores, assim como com a sociedade em geral.
Com os seus funcionários, melhorando a gestão dos processos. Por
exemplo: adotando metas exequíveis, humanas, de trabalho; não escondendo
o adoecimento dos seus funcionários do INSS.
Com a sociedade, praticando tarifas e taxas de juros mais plausíveis.
Apenas com os ganhos de tarifas e prestação de serviços — não é a
sua principal conta – o Itaú cobre a sua folha de pagamentos e sobra. Na
verdade, essas receitas pagam uma folha e meia do Itaú.
Não estou falando da intermediação financeira, que são os juros.
Repito: a taxa de juros do cheque especial do Itaú é estratosférica.
Está em 172,39% ao ano! Absurdo total.
Só sendo mais responsável com os seus trabalhadores e a sociedade o Itaú será realmente sustentável, concordam?
Balanços dos cinco maiores bancos atuando no Brasil: 1º semestre de 2014
Fonte: Sindicato dos Bancários de SP, Osasco e Região