Entrevista de Lula: “Eu quero ser a metamorfose ambulante da Dilma”
O homem de 58 milhões de votos
Lula disse em entrevista que estar disposto a percorrer o país fazendo
campanha para Dilma e avalia que a prorrogação do julgamento do
mensalão não atrapalhará o PT em 2014. Ele revela em detalhes a
dificuldade de desencarnar do cargo e, pela primeira vez, comenta a
investigação envolvendo Rosemary Noronha, ex-chefe do gabinete da
Presidência em São Paulo
Entrevista - Luiz Inácio Lula da Silva
São Paulo - A casa discreta no tradicional bairro do Ipiranga em nada
lembra os palácios de Brasília, mas seu principal inquilino ali trabalha
cerca de 10 horas por dia, com a mesma disposição que, nos oito anos em
que governou o Brasil, extenuava auxiliares - hoje reduzidos a uma
pequena equipe.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levanta-se em São Bernardo do
Campo às 6h, faz duas horas de exercícios físicos, toma café e chega ao
instituto que leva seu nome por volta das 9h, raramente saindo antes das
20h. Recebe políticos, empresários, sindicalistas, intelectuais,
agentes sociais e personalidades em busca de seu apoio a uma causa ou um
projeto. Quase três anos após deixar a Presidência e depois da vitória
contra o câncer, Lula declara-se completamente "desencarnado" do cargo e
com a saúde restaurada, o que a voz, agora limpa das sequelas do
tratamento, confirma.
Por telefone, ele é alcançado também por interlocutores de diferentes
países, com convites para viagens e palestras no Brasil e no exterior.
No ano que vem, o ritmo vai cair, para ele ajudar, "como puder", na
campanha da sucessora Dilma Rousseff pela reeleição. "Se ela não puder
ir para o comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for
para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para
o Sudeste", disse o ex-presidente.
Nas instalações simples da casa no Ipiranga, o que denuncia o inquilino
são as fotografias nas paredes, de momentos especiais da Presidência,
selecionadas pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que continua a seu lado,
assim como os assessores Clara Ant, Luiz Dulci e Paulo Okamoto. Na sala
de trabalho, em vez das cigarrilhas, chicletes sabor canela. Foi lá que,
na última quinta-feira, Lula recebeu o Correio para uma entrevista de
duas horas em que não parou de falar: da vida no poder e fora dele, da
disputa eleitoral do ano que vem, passando por espionagem, Mais Médicos,
mensalão e novos partidos.
Lula também falou, pela primeira vez, sobre a Operação Porto Seguro - a
investigação da Polícia Federal que revelou esquema de favorecimentos em
altos cargos do governo federal e provocou a demissão de Rosemary
Noronha, a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São
Paulo. E disse ter saudades de Brasília: "O nascer e o pôr do sol no
Alvorada são inesquecíveis".
Considerado um eleitor de 58 milhões de votos por conta do total de
apoios conquistados na última eleição que disputou, em 2006, Lula
confessou, sem dissimulação, que deixar o poder foi "como se me tivessem
desligado da tomada". E que não é fácil aprender a ser ex-presidente.
Para evitar a tentação de dar palpites sobre o novo governo, disse que
decidiu visitar 32 países nos 10 primeiros meses de 2011, até que o
câncer foi descoberto, no dia de seu aniversário, 27 de outubro.
Vencido o calvário do tratamento, ele voltou à rotina no instituto,
vacinou-se contra o "Volta Lula", antecipando o lançamento da
candidatura Dilma, e agora se prepara para mais uma campanha eleitoral.
Ele acha que a presidente será reeleita, lamenta o desenlace da aliança
com Eduardo Campos (PSB), embora reconheça as qualidades do governador
de Pernambuco para a disputa, evita especular sobre o destino dos votos
de Marina Silva, caso ela saia da corrida, e parece revelar preferência
por José Serra como adversário tucano, ao dizer que o PSDB terá mais
trabalho para tornar Aécio Neves conhecido. Uma contradição com o que
ele mesmo fez, ao lançar uma também desconhecida Dilma como candidata em
2010. Uma coisa é certa. "Desencarnado" e em plena forma, Lula será um
"grande eleitor" em 2014. Leia a entrevista ao jornal Correio
Braziliense
Deixar de ser presidente trouxe alívio ou pesar?
Lula: Não é fácil falar sobre isso. Eu achava que seria simples
deixar a Presidência. O (João) Figueiredo, que saiu pela porta dos
fundos, até pediu para ser esquecido. Quando a pessoa não sai bem, quer
esquecer mesmo. Mas eu saí no momento mais auspicioso da vida de um
governante. Eu brincava com o Franklin (Martins, ex-secretário de
Comunicação Social): se eu ficar mais alguns meses, vou ultrapassar os
100% de aprovação. Foi como se me desligassem de uma tomada. Num dia
você é rei, no outro dia não é nada. Depois de entregar o cargo, cheguei
a São Bernardo e havia um comício, organizado por amigos e pessoas do
sindicato. O (José) Sarney me acompanhou. Antes, visitei Zé Alencar,
choramos juntos. Eu fiquei danado porque achava que ele devia ter ido à
posse e subido a rampa de maca, mas os médicos não deixaram. Participei
do comício e quando deu 11 horas da noite subi para o apartamento. Ao me
despedir dos que trabalharam na segurança e voltariam a Brasília, o
general me disse: "Olha, daqui a três dias, os celulares da Presidência
serão desligados e os carros, recolhidos". Mas levaram apenas três
minutos para me desconectarem. Este é o lado hilário. Ser ex-presidente é
um aprendizado sobre como se comportar, evitando interferir no novo
governo. Quem sai precisa limpar a cabeça, assimilar que não é mais
presidente. Mas é difícil sair de um dia a dia alucinante, acordar e
perguntar: e agora?
Mas como conseguiu resolver o "desligamento"?
Lula: Entre março de 2011 e a descoberta do meu câncer, em
outubro, eu fiz 36 viagens internacionais, visitei dezenas de países
africanos e latino-americanos. Eu queria ficar fora do Brasil para
vencer a tentação de dar palpites. Decidi voltar para o instituto, que
eu já tinha, e comecei a trabalhar aqui. No dia do meu aniversário, fui
levar a Marisa para fazer um exame, mas acabaram descobrindo o câncer em
mim. E aí foi um ano de tortura. Nunca pensei que fosse tão difícil
fazer quimioterapia e radioterapia. A doença, a internação, o fato de
não poder falar ajudaram no desligamento. Fui desencarnando e hoje isso
está bem resolvido na minha cabeça. Este ano, no evento dos 10 anos de
governos do PT, quando eu disse que a Dilma era minha candidata, eu
queria tirar de vez da minha cabeça a história de voltar a ser
candidato. Antes que os outros insistissem, antes que o PT viesse com
gracinhas, antes que os adversários da Dilma viessem para o meu lado, eu
resolvi dar um basta e fim de papo.
Mesmo com eventuais "Volta Lula", com manifestações, crises?
Lula: Mesmo. Hoje, há pessoas defendendo o fim da reeleição. Eu
sempre fui contra a reeleição, mas hoje posso dizer que ela é um
benefício, uma das poucas coisas boas que copiamos dos americanos. Em
quatro anos, você não consegue realizar uma única obra estruturante no
país.
O senhor não ficou tentado a buscar o terceiro mandato, quando o deputado Devanir Ribeiro apresentou aquela emenda?
Lula: Eu fui contra. Chamei o partido e disse: não quero brincar
com a democracia. Se eu conseguir o terceiro, amanhã virá alguém
querendo o quarto, o quinto. Sou favorável à alternância no poder, de
pessoas e de segmentos sociais. Comigo, pela primeira vez, um operário
chegou à Presidência. Com Dilma, a primeira mulher. Quero que o povo
continue mudando. Para errar ou acertar, não importa.
Deixar o poder traz mais liberdade?
Lula: Eu nunca tive liberdade, nem antes nem depois. Fiquei oito
anos em Brasília sem ir a um restaurante, a um aniversário, a um
casamento, porque tinha medo daquele mundo futriqueiro de Brasília.
Mesmo hoje, prefiro passar o fim de semana em casa, de bermuda.
Mas afora os problemas do poder, alguma saudade de Brasília?
Lula: Olha, o nascer e o pôr do sol no Alvorada são para mim
inesquecíveis. Todos os domingos de manhã, eu e Marisa pescávamos. Há um
lago no Torto, outro no Alvorada, e há o Lago Paranoá. Houve um dia em
que a Marisa pegou 26 tucunarés, ali no píer onde fica o barco da
Presidência. Disso, eu tenho saudade. Não pude conviver, por precaução
minha. Mas o céu de Brasília é muito bonito. O clima é extraordinário, o
padrão de vida do Plano Piloto é invejável. Não é mais aquela cidade
criticada porque não tinha esquinas. O povo soube fazer suas esquinas.
O que o senhor considera como mudanças importantes deixadas por seu governo?
Lula: As coisas que foram feitas, se em algum momento foram
negadas, a verdade foi mais forte que a versão. A ONU acaba de
reconhecer, com dados irrefutáveis, que o Brasil foi o país que mais
combateu e reduziu a pobreza nos últimos 10 anos. Eu queria provar que,
quando o Estado assume a responsabilidade de cuidar dos pobres, tem
efeitos. Tenho orgulho de ter sido o presidente brasileiro que, sem ter
diploma, foi o que mais criou universidades no Brasil, o que mais fez
escolas técnicas, o que colocou mais pobres na universidade... Já houve
presidentes que tinham diplomas e mais diplomas e fizeram muito pouco
pela educação. Nós provamos que era possível fazer porque decidimos que
educação não era gasto, era investimento. Tenho orgulho de ter sido o
primeiro presidente que fez com que o povo se sentisse na Presidência.
E o que o senhor considera o maior erro de seu governo?
Lula: Certamente, cometi muitos erros. Os adversários devem se
lembrar mais deles do que eu. Há quem me pergunte se não me arrependo de
ter indicado tais pessoas para o STF. Eu não me arrependo. Se eu
tivesse que indicar hoje, com as informações que eu tinha na época,
indicaria novamente.
E com as informações atuais?
Lula: Eu teria mais critério. Um presidente recebe listas e mais
listas com nomes, indicados por governadores, deputados, senadores,
advogados, ministros de tribunais. E é preciso ter quem ajude a
pesquisar e avaliar as pessoas indicadas. Eu tinha o Thomaz Bastos no
Ministério da Justiça, o (Dias) Toffoli na Casa Civil... Uma coisa que
lamento é não ter aprovado a Reforma tributária, e tentei duas vezes.
Hoje, estou convencido de que não poderá ser feita como pacote, mas
fatiada, tema por tema. Eu mandava um projeto com apoio de todo mundo,
mas as forças ocultas de que falava o Jânio se apresentavam nas
comissões do Congresso e paravam tudo. Eu receava também que o segundo
mandato fosse repetitivo, com ministros não querendo trabalhar. Foi aí
que tivemos a ideia do PAC. Mas acho que poucos conseguirão repetir o
que fizemos entre 2007 e 2010. Era o time do Barcelona jogando. Tudo
fluiu bem. Posso ter errado, mas não tenho arrependimentos. Tenho
frustração de não ter feito mais.
"(Sair da Presidência) foi como se me desligassem de uma tomada. O
general disse: "Olha, daqui a três dias os celulares serão desligados e
os carros, recolhidos". Mas levaram apenas três minutos para me
desconectarem"
Voltando à indicação dos ministros do STF. Hoje, se o senhor pudesse voltar no tempo...
Lula: Nem podemos pensar nisso. Eu não sou mais presidente, eles (os ministros) já estão indicados e vão se aposentar lá.
O senhor continua fazendo palestras?
Lula: Tenho feito, mas vou reduzir. No ano que vem vou, me
dedicar à campanha. Vocês sabem que um ex-presidente não tem
aposentadoria. Não tendo aposentadoria de outra origem, terá que ser
mantido pelo partido dele ou terá que se virar. Mas você só é convidado
para fazer palestras se tiver sido exitoso no governo. O Fernando
Henrique inovou e passou a fazer palestras. O PT ofereceu-me um salário e
eu agradeci. Eu mesmo ia tratar da minha sobrevivência.
O que acha das críticas de que existiria conflito de interesses quando as empresas têm contratos com o governo?
Lula: Acho uma cretinice. Primeiro porque não faço nada além do
que eu fazia como presidente. Eu tinha orgulho de chegar a qualquer país
e falar da soja, do etanol, da carne, da fruta, da engenharia, dos
aviões da Embraer... Eu vendia isso com o maior prazer do mundo. Com
orgulho. Eu achava que isso era papel do presidente da República. Quando
Bush veio aqui, fomos a um posto que vendia etanol. E havia lá um carro
da Ford e outro da GM. Chamei o Bush para tirarmos uma foto e ele disse
que não podia fazer merchandising de carro americano. Só que ele estava
com um capacete da Petrobras na cabeça. Eu falei: "Então, fica você
aqui que eu vou lá". Se eu puder vender as empresas brasileiras na
Nigéria, no Catar, na Líbia, no Iraque, na África, eu vou vender. Estas
críticas também refletem o complexo de vira-lata. É não compreender o
sentido disso. Tenho orgulho de saber que quando cheguei à Presidência
não havia uma só fábrica brasileira na Colômbia e hoje existem 44. Havia
duas no Peru e hoje são 66. De termos ampliado nossa presença na
Argentina ou na África. Se não formos nós, serão os chineses, os
ingleses, os franceses. E não são apenas empresas de engenharia. Hoje,
temos fábrica de retrovirais em Moçambique, Senai e escolinhas de
futebol do Corinthians em mais de 13 países africanos. Agora mesmo me
pediram para tentar levar o vôlei para a África, onde o esporte não
existe. E vou ajudar com o maior prazer. Só não vou jogar porque tenho
bursite. Mas veja a malandragem. Todas as empresas, inclusive as de
jornais e de televisão, têm lobistas em Brasília. Mas são chamados de
diretor corporativo ou institucional. Agora, se alguém faz pelo país, é
lobista. Faz parte da pequenez brasileira. Veja o caso da Copa do Mundo.
Todo país quer sediar uma Copa do Mundo. O Brasil não pode. Ah, porque
temos problemas de saúde e moradia! Todos os países têm problemas, e por
que não pode ter Copa do Mundo e Olimpíada? E o quanto uma nação ganha
com isso, do ponto de vista cultural, do ponto de vista do
desenvolvimento? Qual é a denúncia contra as obras?
Nos protestos, a crítica era ao custo das obras.
Lula: Ora, se em 1950 o Brasil pôde fazer um estádio para a Copa
do Mundo, em 2013 não podemos fazer outros? Pergunto qual é a denúncia?
Eu deixei dois decretos, um sobre a Copa outro sobre a Olimpíada, que
estão no site da CGU. Perguntem ao Jorge Hage onde tem corrupção na
Copa. O TCU designou um ministro, o Valmir Campelo, encarregado de
fiscalizar especificamente os gastos com a Copa. Perguntem a ele onde há
corrupção. A Copa está marcada e tem que ser feita com a maior
grandeza. Se alguém praticar corrupção, que seja posto na cadeia. Já
conversei com os patrocinadores sobre a necessidade de uma narrativa
diferente para a Copa do Mundo. Vi na tevê pessoas chorando no Japão,
que vai sediar uma Olimpíada. E vi um jornalista dizer que "tudo bem, o
Japão está retomando o crescimento, diferentemente do Brasil, que ainda é
pobre". Então Olimpíada é só para países do G-8? E ainda que fosse, o
Brasil está no G-6. Não me conformo com o complexo de vira-lata e com o
denuncismo infundado. Precisamos de uma lei que puna também o autor de
denúncia falsa.
Falando nas manifestações, o que mudou com elas no Brasil?
Lula: Eu acho que fizeram muito bem ao Brasil. Com exceção dos
mascarados. Todas as reivindicações que apresentaram, um dia nós também
pedimos. Veja o discurso de (Fernando) Haddad na campanha de São Paulo:
"Da porta da casa para dentro, a vida melhorou, mas da porta para fora
ainda precisa melhorar". Hoje, muito mais gente anda de carro, mas o
transporte público não melhorou. Eu andava de ônibus lotados como latas
de sardinha em 1959, e continua a mesma coisa. O Haddad agora me disse:
"Precisando de tanto dinheiro, conseguimos reduzir em 50 minutos o tempo
de viagem só com latas de tinta". As faixas exclusivas para ônibus
tiveram uma aprovação de 93% das pessoas. O povo nos disse o seguinte:
"Já conquistamos algumas coisas e queremos mais". As pessoas querem
mais, mais salário, mais transporte, melhorias na rua, e isso é
extraordinário. Nem dá mais para ficar dividindo tarefa: isso é com o
prefeito, isso com o governador, aquilo com o presidente.
Haddad não errou quando demorou a recuar na tarifa?
Lula: Se ele tivesse dado o aumento em janeiro, não tinha
acontecido o que aconteceu. Ele e o prefeito do Rio foram convencidos de
que, adiando o aumento, ajudariam no controle da inflação. Meu primeiro
movimento foi mostrar ao Haddad que aquilo não era contra ele, que
ainda estava muito novo no cargo: "Haddad, levante a cabeça, tira
proveito disso, que bom que o povo está se manifestando". Acho que ele
demorou uns dois ou três dias mas foi correto. E o transporte é caro
mesmo... Enfim, as manifestações nos ensinaram que o desejo do povo de
mudar as coisas é infinito. Quem consegue comprar carne de segunda passa
a querer carne de primeira. Tínhamos 48 milhões de pessoas que andavam
de avião em 2007. Em 2012, eram 103 milhões. Hoje, tem gente que entra
no avião e não sabe nem guardar a mala. Alguns acham isso ruim. Eu acho
ótimo. Tem mais gente indo a restaurantes, museus, institutos de beleza,
e isso é um bom sinal. A única coisa que eu critico é a negação da
política. Ela sempre resulta em algo pior, como o fascismo, o nazismo.
Tenho dito ao PT para enfrentar o debate. Vamos perguntar aos tucanos
por que eles derrotaram a CPMF, tirando R$ 40 bilhões da saúde por ano
em meu governo, achando que iam me prejudicar. Na época, eu disse: quem
vai pagar é o povo.
E o Programa Mais Médicos, é uma solução?
Lula: É uma coisa fantástica, mas vai fazer com que o povo fique
mais exigente com a saúde. O sujeito vai subir o primeiro degrau. Vai
ter um médico que vai lhe pedir exames, e a saúde vai ser problema outra
vez. Discutir saúde sem discutir dinheiro, não acredito. E não adianta
dizer, como fazem os hipócritas, que o problema é só de gestão. Chamem
os 10 melhores gestores do planeta e perguntem como oferecer tomografia,
ressonância, tratamento de câncer sem dinheiro. O hipócrita diz: "Eu
pago caro por um plano de saúde, porque o SUS não me atende". Mas quando
ele vai fazer a declaração de renda, desconta tudo do imposto a pagar.
Então quem paga a alta complexidade para ele é o povo. E aí vem a Fiesp
fazer campanha para acabar com a CPMF. Não foi para reduzir custos mas
para tirar do gover no o instrumento de combate à sonegação.
O Mais Médicos é uma marca de governo para Dilma?
Lula: Os médicos brasileiros que protestaram sabem que cometeram
um erro gravíssimo. O (Alexandre) Padilha tem dito, corretamente: "Não
queremos tirar o emprego de médico brasileiro. Queremos trazer médicos
para atender nos locais onde faltam médicos brasileiros". Em vez de
protestar, eles deveriam ter feito um comitê de recepção aos colegas
estrangeiros. E Deus queira que um dia o Brasil forme tantos médicos que
possa mandar médicos para um país africano. É admirável que um país
pequeno como Cuba, que sofre um embargo comercial há 60 anos, tenha
médicos para nos ceder. Hoje, há máquinas que descobrem o câncer com
menos de um milímetro. Mas quantos têm acesso a isso? Saúde boa e barata
não existe, alguém tem que pagar a conta. Num país em construção, como o
nosso, sempre haverá protestos. Temos de consolidar a democracia,
sabendo que ela não pode ser exercitada fora da política. Tem gente que
diz "eu não sou político" e começa a dar palpite na política. Esse é o
pior político. Como eu fui ignorante, dou meu exemplo. Em 1978, no auge
das greves do ABC, eu achava o máximo dizer: "Não gosto de política nem
de quem gosta de política". A imprensa paulista me tratava como herói.
Eu era o metalúrgico. Dois meses depois, eu estava fazendo campanha para
Fernando Henrique, que disputava o Senado por uma sublegenda do MDB.
Dois anos depois, criei um partido político. Ninguém deve ser como o
analfabeto político do Bertolt Brecht. Não se muda o país sem política.
Na semana passada, foram criados dois partidos, houve um grande troca-troca de deputados. Como o senhor vê isso?
Lula: O fato de você legalizar um partido é o menos importante.
Levar 10, 15 deputados, também. Eu quero saber é se na próxima eleição
esses partidos passarão pelas urnas.
Marina Silva talvez não consiga registrar o partido dela.
Lula: Quando nós fomos construir o PT, as exigências legais eram
até maiores. Na primeira eleição, eu achava que seria eleito governador
de São Paulo. Eu era uma figura estranha, um metalúrgico, levava muita
gente aos comícios. Fiquei em quarto lugar. O Estadão fez uma pesquisa
dizendo que eu tinha 10%. Eu logo xinguei a imprensa burguesa (risos). E
eu tive exatamente 10% (risos). Então, essas pessoas que estão criando
partidos vão ter de trabalhar muito. E precisamos evitar as legendas de
aluguel. Não serei contra, depois de tudo que fiz pela criação do PT. Eu
não sei se a Marina vai cumprir as exigências legais. Ela é uma
personalidade política do país, tem todo direito de criar um partido.
Agora, tem de ter coragem de dizer que é partido, não tem que inventar
outro nome, dizer que não é partido, é uma rede. É partido e vai ter
deputado, como todo partido.
Sem a Marina, a disputa presidencial muda, não?
Lula: Ela ainda tem tempo. Ela tem de assistir ao dia final do
julgamento com a ficha de um outro partido do lado. Eu acho que a Marina
tem o direito de ser candidata. Marina é um quadro político importante
para o país. Caso ela não consiga o partido e não seja candidata, será
importante saber para onde irão os votos dela. Ninguém pode perder o pé
da realidade do país, achar-se melhor que o Congresso, que lá só tem
corrupto, como vejo alguns dizerem.
O senhor mesmo já falou, quando disse que no Congresso havia 300 picaretas...
Lula: O Congresso é a cara da sociedade brasileira. Ulysses
Guimarães dizia: "Toda vez que a sociedade começa a falar em muita
mudança no Congresso, o Congresso piora".
Quase 300, na realidade 280 deputados, foram responsáveis de alguma forma pela absolvição de Natan Donadon...
Lula: Veja que eu não errei. O que acontece no Congresso acontece
num clube de futebol, acontece no condomínio que a gente mora, na
sauna... Você tem gente de qualidade, você tem gente de menos qualidade,
gente comprometida com os setores mais à esquerda, gente comprometida
com os setores mais à direita. Se as pessoas fossem de direita ou de
esquerda era melhor do que serem simplesmente fisiológicas. O que eu
acho que mata na política é o fisiologismo. E você não vai acabar com
isso. É uma cultura política que está estabelecida no mundo, não é só no
Brasil. E não é uma questão nacional, senão a Itália não tinha o
Berlusconi.
Mas o senhor defende a reforma política não é buscando superar esses problemas?
Lula Eu defendo a reforma política, mas acho que ela só virá
quando tivermos Constituinte própria para fazê-la. O Congresso não vai
aprovar. Pode fazer uma mudança aqui, outra ali, mas não uma reforma
profunda. Defendo o financiamento público porque eu acho que é a forma
mais barata e mais honesta de fazer campanha. Por que os empresários não
defendem o financiamento público? Não seria melhor para eles não ter
que dar dinheiro para candidato? Mas eles preferem que os políticos
dependam deles. Eu li a biografia do Juscelino, os dois volumes do
(Getúlio) Vargas, do Lira Neto (escritor cearense), estou lendo a
biografia de Napoleão Bonaparte e a do Padre Cícero. A política é sempre
a mesma. Penso que com partidos mais sérios e valorizados, com mais
seriedade nas campanhas, a política vai se qualificando e motivando
mais. Eu sempre digo aos jovens: mesmo que você não acredite em mais
ninguém, e ache que todos são corruptos, não desista. O político honesto
que você procura pode estar dentro de você.
O momento mais delicado da Dilma ocorreu durante as manifestações. E
naquele momento, o PMDB, o principal aliado do PT, tentou emparedar a
presidente no Congresso...
Lula: O ideal de um partido político é eleger um presidente da
República, eleger a maioria dos governadores, eleger a maioria dos
senadores, a maioria dos deputados federais. Isso é o ideal. Não parece
maravilhoso? Pois bem, em 1987, o PMDB teve isso. O PMDB elegeu 306
constituintes e 23 governadores. O (José) Sarney teve moleza? Não teve. O
principal adversário do Sarney era Ulysses Guimarães. Por isso, eu
prezo a democracia. Eu fico imaginando se o PT tivesse 400 deputados, 79
senadores. Seria fácil? Temos de aprender a lidar com a realidade.
Angela Merkel acabou de ganhar as eleições na Alemanha, mas, para
governar, terá que fazer aliança.
E a divisão interna dentro do PT, entre lulistas e dilmistas?
Lula: Se houver alguém que se diz lulista e não dilmista, eu o
dispenso de ser lulista. A Dilma é a presidente e representa o PT. Eu
não estou pedindo que as pessoas gostem dela. Eu quero que as pessoas a
respeitem na função institucional e saibam que o PT está lá para
apoiá-la. O povo de Brasília votou no (José Roberto) Arruda porque
acreditou que o Arruda ia fazer as mudanças prometidas. Não deu certo.
Você vai dizer que o eleitor do Roriz era pior do que o eleitor do
Agnelo? Não era. O eleitor vota esperando que as coisas melhorem. Se
tivermos agora como candidatos Dilma, Aécio, Eduardo Campos e Marina, o
Brasil está qualificado. Todos candidatos de centro-esquerda para a
esquerda.
O senhor tentou evitar o rompimento de Eduardo Campos com o governo.
Agora que aconteceu, como ficará este relacionamento? Ele pode sair do
campo de sua influência?
Lula: Eu não tenho influência. Mas eu gostaria que não tivesse acontecido o que aconteceu.
Quem errou?
Lula: Não sei, acho que todo mundo errou. E eu posso estar errado
também. Pode ser que o governo e o Eduardo estejam certos no
rompimento, e eu errado. Mas eu não dou de barato que o Eduardo é
candidato. Ele tem potencial? Ele tem estrutura, sabedoria política?
Tem. Ele pode ser candidato, como o Aécio, a Marina. Eu só acho que foi
um prejuízo para a gente ter o PSB, e sobretudo o Eduardo, do outro
lado. Isso aconteceu apenas quando o Garotinho foi candidato contra mim,
em 2002. Se ele vai ser candidato, nós temos de ter uma regra de
comportamento. Se a eleição não terminar no primeiro turno, poderemos
ter aliança no segundo turno. Mas eu não dou de barato que as coisas
estão definidas na eleição. Nem para o Eduardo Campos ser candidato nem
para o Aécio ser candidato. Sabe-se lá o que o Serra vai tramar contra o
Aécio? Nem para a Marina. Temos de esperar, até março do próximo ano.
São mais seis meses pela frente, até as pessoas anunciarem de fato as
candidaturas. Sei apenas que, entre todos, a Dilma é a que tem mais
credenciais e é mais qualificada para governar o Brasil. Eu vou
percorrer o Brasil como se eu fosse candidato.
Qual será a diferença, na disputa com o PSDB, em ter o Aécio como candidato e não o Serra?
Lula: Eu acho que vai trazer mais dificuldades para o PSDB. O
Aécio vai ter que se tornar conhecido. O Serra já é conhecido, tem o
recall de outras disputas. Não é fácil criar um candidato novo num país
do tamanho do Brasil. Então, eu não sei como o PSDB vai conseguir se
livrar do Serra ou se o Serra vai conseguir provar que tem mais
qualidades para ser candidato. Mas o PT não pode escolher adversário.
Tem que enfrentar quem aparecer, e acho que pode ganhar dos dois.
Sua participação na campanha da Dilma agora será diferente da que teve em 2010?
Lula: Tem de ser diferente. Em 2010, a Dilma não era conhecida.
Fizemos uma campanha para que ela se tornasse conhecida, e para mostrar
ao eleitor o grau de confiança que eu tinha nela. Obviamente que, depois
de quatro anos de governo, a Dilma passou a ser muito conhecida e
conseguiu construir a sua própria personalidade. Então, já tem muita
gente que vai votar na Dilma independentemente de o Lula pedir. Naquilo
que eu tiver influência, nas pessoas que eu tiver influência, eu vou
pedir para votar na Dilma. O que eu vou fazer na campanha depende dela.
Eu não quero estar na coordenação, eu quero ser a metamorfose ambulante
da Dilma. Estou disposto. Se ela não puder ir para o comício num
determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou
para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste. Isso
quem vai determinar é ela. Eu tenho vontade de falar, a garganta está
boa. Eu estou com mais disposição, mais jovem. Apesar da idade, eu estou
fisicamente mais preparado. Estou com muita saudade de falar. Faz tempo
que eu não pego um microfone para falar. Conversar um pouco com o povo
brasileiro. Se for importante ficar quieto, eu vou ficar quieto. A única
que coisa que eu não vou fazer é cantar, porque eu sou desafinado, mas,
no resto, ela pode contar comigo.
A prorrogação do julgamento do mensalão, levando as prisões de petistas
no próximo ano, em plena campanha, pode atrapalhar os candidatos do PT e
a própria Dilma?
Lula: Eu não acredito, não. As pessoas têm o hábito de
menosprezar a inteligência do povo. A história não é contada no dia
seguinte, a história é contada 50 anos depois. E eu acho que a história
vai mostrar de que mais do que um julgamento, o que nós tivemos foi um
linchamento, por uma parte da imprensa brasileira, no julgamento. Eu
tenho me recusado a falar disso porque sou ex-presidente, indiquei os
ministros. Vou falar quando o julgamento terminar. Uma coisa eu não
posso deixar de criticar. Se pegar o último julgamento agora (dos
embargos infringentes), o que a imprensa fez com o Celso de Mello foi
uma coisa desrespeitosa à instituição da Suprema Corte, que é o último
voto. Ou seja, depois dela, ninguém mais pode falar. Eu fiquei irritado
certa vez, quando eu era presidente, o (Sepúlveda) Pertence tomou uma
decisão e alguém escreveu que José Dirceu tinha ganhado no tapetão, sem
nenhum respeito a uma figura como o Pertence. Veja a arrogância e a
petulância de algumas pessoas. Elas amanhã poderão ser julgadas e vão
querer o direito de defesa. A sociedade brasileira já aprendeu a separar
o joio do trigo, inclusive pelo que tentaram fazer comigo em 2006, na
campanha. Ninguém poderia ter sido mais violento comigo do que foi o
(Geraldo) Alckmin. Todo mundo sabe o que aconteceu na véspera da
eleição, quando o delegado da Polícia Federal mentiu que tinham roubado a
fita (na realidade, um CD), sendo que ele mesmo fez a entrega para
quatro jornalistas. (Lula se refere ao "Escândalo dos aloprados" e ao
vazamento das fotos do dinheiro usado para comprar falsos dossiês contra
José Serra e Geraldo Alckmin). Todo mundo sabe o que houve na eleição
do Haddad. O julgamento (do mensalão) no meio da eleição, qual o
objetivo? Tudo isso o povo percebe.
Então o senhor acha que não terá efeito?
Lula: O povo sabe separar as coisas. Agora, o que não se pode é
negar o direito das pessoas de exigirem provas. Eu sinceramente tenho
muita vontade de falar, mas eu preciso me calar. Alguns companheiros
estão condenados. Se amanhã a Justiça falar que absolveu, estarão
condenados do mesmo jeito. Ninguém se dá conta do que aconteceu com a
família das pessoas, com os filhos das pessoas. Esta substituição da
informação pela versão que interessa não pode ser adequada à construção
de um país democrático.
Voltando à questão eleitoral, o senhor disse em determinado momento que
não podia trincar a relação com o PMDB, mas ela tem problemas.
O senhor está ajudando a montar essas alianças nos estados?
Lula: Não. Não sou eu. O PT vai ter as coordenações regionais, a
coordenação de campanha e a direção nacional. Aliás, o PT sozinho não
pode cuidar disso. Tem de ter cuidado, junto com o PMDB. Não é a
primeira vez que a gente faz uma campanha com dois palanques. Houve
estados a que não fui durante determinada campanha porque tinha
problemas entre os aliados. Em 2010, em Pernambuco, por exemplo,
construímos uma coisa sui generis, que foi colocar dois candidatos no
mesmo palanque. Eu ia lá e falava com os dois do meu lado. Se fosse
possível repetir isso sem tiroteio, seria ótimo. Temos que dar tempo ao
tempo, esperar as divergências diminuírem para a gente poder construir a
unidade. Em março, o quadro estará mais claro.
No Rio de Janeiro inclusive?
Lula: Sim. Nós temos de saber quem são os nossos adversários e
construir a partir daí as nossas alianças regionais. Mas como é que você
vai convencer um companheiro que quer ser candidato a governador a não
ser candidato?
Isso vale para o senador Lindbergh Farias?
Lula: Não é só o Lindbergh. Vamos entrar na cabeça do Lindbergh.
Ele tem o mandato de oito anos e tem um intervalo agora no meio. Se
concorrer, ele não perde nada, ele só ganha. Como funciona a cabeça
dele: se não for candidato agora, em 2018 terá de disputar com o Eduardo
Paes ou com o Sérgio Cabral, sei lá. Ele acha então que o momento dele é
agora. Como você vai tentar convencê-lo? O cara tem oito anos de
mandato, não tem nada a perder... Na pior das hipóteses, se ele perder,
estará fazendo campanha para ele mesmo ao Senado em 2018. Isso vale para
todos. Vai convencer no Pará que o cidadão não deve ser candidato. Ele
pode ter 1% nas pesquisas e fala (Lula bate no peito): "Eu vou ganhar".
Em janeiro do ano passado, eu estava em casa todo inchado, quase sem
poder falar, e implorei ao Humberto Costa para não ser candidato a
prefeito no Recife. "Humberto, pelo amor de Deus, o povo te elegeu
senador. É um mandato de oito anos, você vai virar uma figura nacional. O
PT precisa de você. Você quer voltar para Recife para fazer o quê,
Humberto?" Ele então disse: "Se é assim que o senhor pensa, não serei
candidato". E quem foi o candidato?
Humberto...
Lula: Foi candidato na pior situação (Humberto perdeu no primeiro
turno para Geraldo Júlio, do PSB). Quando a pessoa quer, é difícil
evitar. Vocês acham que eu aprovei o Wellington (Dias) ter sido
candidato a prefeito de Teresina? Um cara que saiu com quase 80% de
aprovação, que o povo elegeu para senador, que desgraça ele tinha de ser
candidato a prefeito de Teresina? Mas ele foi. Aí, quando toma a
porrada que tomou, ele fala: "(Lula faz careta e imita voz chorona) É,
você tinha razão". A única coisa certa é que a Dilma é uma candidata com
amplas condições de ganhar. Ela vai ter mais o que mostrar. A economia
vai estar numa situação melhor.
O tema econômico da hora são as concessões. Na eleição, a oposição não
vai explorá-las como uma forma de privatização feita pelo PT, que
combateu as privatizações tucanas?
Lula: Não é privatização. Deixa eu dizer uma coisa: é urgente
mudar a Lei 8.666/93,que regula as licitações neste país, se quisermos
que as coisas aconteçam. Hoje, para fazer uma obra, são tantos os
obstáculos, como eu já disse. Tribunal de Contas, Ibama, CGU, Iphan. Uma
verdadeira máquina de fiscalização que emperra a máquina da execução.
Então, é melhor passar pelo crivo uma só vez e entregar o serviço para a
iniciativa privada explorar, com mais facilidade e rapidez. A segunda
coisa é que o Estado também não tem recursos. As concessões são um
convite à iniciativa privada, que pode suprir a deficiência do Estado
para investir. A Dilma estava na Casa Civil, nós reuníamos os ministros e
órgãos envolvidos nos projetos. Eu falava todos os palavrões que tinha
de falar, mas as coisas não andavam. Um problema aqui, outro ali. Temos
que encontrar uma solução. A Dilma anunciou as concessões em junho do
ano passado e os leilões só estão saindo agora. Se estivéssemos em 1955,
começando a construir Brasília, nem a picada para o avião do Juscelino
pousar tinha saído.
Como o senhor avalia a decisão da CGU de pedir a destituição do serviço
público da ex-chefe do gabinete da Presidência de São Paulo, Rosemary
Noronha, por 11 irregularidades, incluindo propina, tráfico de
influência e falsificação?
Lula: Ela já estava demitida. O que a CGU fez foi confirmar o que todo mundo já sabia o que ia acontecer.
Mas tudo ocorreu dentro de um escritório da Presidência...
Lula: Deixa eu falar uma coisa. A CGU julgou um relatório feito
pela Casa Civil. E pelo que eu vi do relatório, ele confirma as
conclusões da Casa Civil. O servidor que comete algum ilícito tem de ser
exonerado. O que valeu para o escritório vale para qualquer lugar no
Brasil no setor público. Vale para banco, vale para a Receita. Vejo isso
com muita tranquilidade. (Lula se vira para o assessor de imprensa e
pergunta). Não foi exonerado esses dias um companheiro que trabalhava
com a Ideli (Salvatti)? (Lula se refere ao assessor da Subchefia de
Assuntos Federativos, Idaílson Macedo, após a notícia de que faria parte
do esquema de lavagem de dinheiro descoberto pela Polícia Federal na
Operação Miqueias).
O que o senhor achou da reação do governo brasileiro em relação à espionagem norte-americana?
Lula: Dilma agiu certo. O que não podia era aceitar a ideia que o
(Barack) Obama tentou passar, de que não aconteceu nada. Com aquele
jeitão imperial do Obama falar.
Quase três anos depois de deixar a Presidência, como o senhor gostaria de ser lembrado?
Lula: O que me importa é a forma como serei lembrado pelas
pessoas. Algo que me marcou foi meu último encontro com os catadores de
material reciclado e moradores de rua de São Paulo. Uma menina,
afro-descendente, pegou o microfone e perguntou: "Presidente, você sabe o
que mudou na minha vida nestes oito anos?" Eu não sabia. E ela disse:
"Não foi o dinheiro que eu ganhei nem as cooperativas que organizei. Foi
o direito de andar de cabeça erguida que o senhor me restituiu. Hoje,
não tenho vergonha de andar com o carrinho catando papelão na rua. Me
sinto tão importante quanto os que passam de carro ao meu lado". Nada é
mais gratificante que isso. Foi o que me inspirou a pedir ao Fernando
Morais para tentar fazer uma biografia do meu governo, conversando com
quem ele quisesse: banqueiro, dono de jornal, metalúrgico, bancário,
catador de papel. Ouvir o que as pessoas pensam é mais importante, pois
todo mundo tem tendência a falar bem de si mesmo.
"Eu não quero estar na coordenação, eu quero ser a metamorfose
ambulante da Dilma. Estou disposto. Se ela não puder ir para o comício
num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou
para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste"
"Há quem me pergunte se não me arrependo de ter indicado tais pessoas
para a Suprema Corte. Eu não me arrependo de nada. Se eu tivesse que
indicar hoje, com as informações que eu tinha na época, indicaria
novamente. (Mas, com as informações atuais) eu teria mais critério"
"Todo país quer sediar uma Copa do Mundo. O Brasil não pode. Ah, porque
temos problemas de saúde e moradia! Todos os países têm problemas, e por
que não pode ter Copa do Mundo e Olimpíadas? A Copa está marcada e tem
que ser feita com a maior grandeza. Se alguém praticar corrupção, que
seja posto na cadeia"