“Dizer que a terceirização não precariza é tentar fazer todo mundo de idiota”
publicado em 13 de abril de 2015 às 15:01
Terceirização: desabafo, desmascaramento e enfrentamento
por Jorge Luiz Souto Maior*
1. Desabafo
Não consigo deixar de iniciar um texto sobre a aprovação de um
projeto de lei que amplia a terceirização no país sem fazer um desabafo,
afinal tentei, insistentemente, conforme expresso em várias
manifestações e artigos escritos desde meados da década de 90[1], quando
a Súmula 331 foi adotada, a qual tantos defendiam por constituir um
limitador da terceirização, alertar que sem uma resistência efetiva à
terceirização como um todo a presente situação acabaria ocorrendo.
Ora, a Súmula 331 apesar de limitar a terceirização a admitia,
constituindo, pois, o fundamento de legitimidade para manter em situação
de extrema precariedade e de discriminação (e mesmo de invisibilidade)
milhões de trabalhadores brasileiros, abrindo, inclusive, a porta para a
superação da conquista constitucional da exigência do concurso na
administração pública, do que se valeu, inicialmente, o governo FHC e,
posteriormente, os de Lula e Dilma, sem falar, é claro, de todos os
governos nos âmbitos estaduais e municipais, em todas as esferas de
Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). Assistia-se, assim, em
silêncio, à institucionalização de agressão frontal à Constituição
Federal e à exploração desumana dos terceirizados.
Era por demais evidente que, sobretudo diante da própria fragilidade
do critério diferenciador entre “terceirização lícita” e “terceirização
ilícita”, pautada pela natureza da atividade exercida pelo trabalhador,
se atividade-meio ou atividade-fim, cedo ou tarde adviria uma
reivindicação empresarial pela ampliação da terceirização. Os argumentos
“ponderados”, pautados, inclusive pelas lógicas do “mal menor” e da
inevitabilidade, que dominaram o Judiciário e mesmo o movimento
sindical, o qual, inclusive, chegou a visualizar a terceirização como
uma forma de auferir maiores ganhos para os trabalhadores “efetivos”
(não terceirizados), recusaram qualquer posição de resistência à
terceirização, acusando-a de “radical” ou de “inexequível”.
Mas, agora, a história mostra, de forma bastante dura para a classe
trabalhadora, que, infelizmente, a previsão se consumou, sendo,
portanto, necessário reconhecer que a culpa pelo advento dessa grande
derrota para a classe trabalhadora, que foi a aprovação do PL n. 4.330,
não pode ser debitada unicamente aos congressistas que aprovaram o
projeto de lei, mas também às diversas instituições que não apenas
validaram a terceirização, ou mais propriamente, as violências cometidas
por ela contra milhões de trabalhadores terceirizados, como também se
valeram, elas próprias, dessa fórmula perversa e inconstitucional de
exploração de pessoas.
Presentemente, nos posicionamentos contra a aprovação do PL 4.330
muito se tem dito sobre os horrores da terceirização, mas os horrores
narrados (baixos salários, direitos desrespeitados, alto índice de
acidentes do trabalho, discriminação, assédio e invisibilidade)
referem-se a uma realidade concreta, já existente, e não ao futuro, ou
seja, dizem respeito à situação dos trabalhadores terceirizados, os que
já estão por aí com o permissivo da generalidade de juízes, membros do
Ministério Público, juristas, governantes e sindicalistas, apoiados na
Súmula 331 do TST.
2. Desmascaramento
Isso não quer dizer, que se possa atribuir alguma razão, mínima que
seja, àqueles que ora defendem a aprovação do PL 4.330/04, pois todos os
argumentos que utilizam são falaciosos, cínicos e ideológicos, visando
escamotear as duas razões principais que detêm, sendo uma de ordem
político-partidária e outra de natureza estritamente econômica no
sentido restrito do favorecimento a interesses localizados e não à
melhor organização do processo produtivo.
No primeiro aspecto, o que se pretende é minar de vez a influência
política do PT, pois a aprovação do projeto, ainda que o governo federal
o tenha encabeçado durante os últimos anos, na conjunta atual
representa a explicitação muito nítida da descaracterização do PT como
partido que, no Poder, poderia encaminhar projetos políticos favoráveis
aos direitos trabalhistas. No segundo aspecto, significa a chance, em
razão da configuração ideológica do Congresso, que os segmentos
empresariais ligados ao grande capital possuem para, enfim, atingirem os
objetivos que buscam há décadas: aniquilar os sindicatos e explorar a
força de trabalho sem qualquer limitação que venha a ser imposta por um
projeto, mínimo que seja, de atribuição de responsabilidade social às
empresas e de distribuição mais justa da riqueza produzida.
Vejamos, de todo modo, a fragilidade dos argumentos utilizados em defesa do PL ou, mais propriamente, o seu cinismo.
a) “Modernização”
Diz-se que a terceirização é técnica moderna do processo produtivo,
quando, em verdade, o que chamam de terceirização não é nada além do que
a intermediação de mão-de-obra que já existia nos momentos iniciais da
Revolução Industrial, e cujo reconhecimento da perversidade gerou, na
perspectiva regulatória corretiva, a enunciação do princípio básico do
Direito do Trabalho de que “o trabalho não deve ser considerado como
simples mercadoria ou artigo de comércio” (Tratado de Versalhes, 1919),
do qual adveio, inclusive, a criminalização, em alguns países como a
França, da “marchandage”, ou seja, da intermediação da mão-de-obra com o
objetivo de lucro. O próprio conceito de “subordinação jurídica” é uma
construção teórica forjada para superar o obstáculo obrigacional advindo
da formalização de contratos entre tomadores de serviços e prestadores
de serviços, de modo a atribuir, em concreto, responsabilidades
jurídicas ao capital que efetivamente se vale da exploração final da
força de trabalho (“subordinação estrutural”, atualizada para
“subordinação reticular”).
Cumpre acrescentar que o argumento retórico em torno da “modernidade”
nos acompanha, na realidade brasileira, há várias décadas[1], valendo
lembrar que esteve presente quando se aniquilou com a estabilidade no
emprego, em 1967, substituindo-a pelo FGTS, bem como quando se
instituíram o trabalho temporário, em 1974, o contrato do vigilante, em
1984, a terceirização, em 1993, as cooperativas de trabalho, em 1994, o
banco de horas, em 1998, o contrato provisório, em 1998, o contrato a
tempo parcial, em 1999…
O que ocorre é que a redução de direitos obviamente não gera o efeito
concreto da melhora da economia e sem a revelação do embuste de foi
vítima a classe trabalhadora novas reivindicações de retração de
direitos acabam sendo propostas e, pior, com o mesmo argumento da
“necessidade de modernização”.
b) “Preserva direitos trabalhistas”
Diz-se que os direitos trabalhistas, previstos na CLT e na legislação
em geral, serão todos garantidos no regime de contratação da PL
4.330/04. Em outras palavras, que a terceirização não significará a
retirada de direitos.
Ora, as pessoas e instituições que defendem a ampliação da
terceirização com essa afirmação são exatamente as mesmas que até dias
atrás se valiam dos argumentos retórica e historicamente construídos de
que os direitos trabalhistas foram outorgados por Vargas sem que
houvesse uma necessidade real para tanto, de que são excessivos e de que
impedem o desenvolvimento econômico. Não se pode, pois, atribuir
qualquer crença ao fato de que estejam, agora, de fato, preocupadas em
fazer valer as leis trabalhistas.
Ademais, a realidade das relações de trabalho no Brasil é a da
completa ineficácia da legislação, a qual, portanto, só existe no papel,
e isto se dá exatamente por obra dessas mesmas pessoas e instituições,
que têm se valido de todos os ardis possíveis para negar a aplicação de
direitos aos trabalhadores. Assim, seria no mínimo ingênuo se deixar
levar pela promessa de que por conta da terceirização, que fragiliza a
classe trabalhadora, essa realidade seria, como passe de mágica,
alterada. É evidente, pois, que a ampliação da terceirização se insere
na estratégia dessa gente de suprimir os direitos trabalhistas.
c) “Gera empregos”
Para defender o PL 4.330/04 tenta-se vender a ideia de que a
terceirização seria instrumento de estímulo ao emprego. Ora, cabe
frisar, em primeiro lugar, que quando se fala em terceirização não se
está tratando de emprego, mas de subemprego, quando não de trabalho em
condições de semi-escravidão. Então, na essência, a terceirização no
máximo poderia aumentar os postos de trabalho nessas condições, sendo
que como em concreto não é a forma como se regulam as relações de
trabalho que impulsiona a economia, mas a dinâmica da produção e da
circulação de mercadorias, o que se verificaria com a ampliação da
terceirização seria apenas a transformação dos atuais empregos em
subempregos, de modo, inclusive, a favorecer o processo de acumulação do
capital e até da evasão de divisas, vez que o grande capital está sob
domínio de empresas estrangeiras.
E ainda que se pudesse conceber algum benefício para a economia com a
redução dos direitos trabalhistas e mais propriamente com a redução da
participação do trabalho no produto interno bruto, o que se aceita
apenas como mera hipótese argumentativa, mesmo assim a proposição seria
indefensável, na medida em que o preço a ser pago pelos trabalhadores
seria alto demais. Concretamente, qual o interesse na preservação de um
modelo de sociedade que para se sustentar impõe sacrifícios exatamente
àqueles que produzem as riquezas, mantendo uma parcela bem pequena da
sociedade, incluindo os que se integram à burocracia de Estado, em
situação economicamente bastante confortável? Preconizar a redução de
ganhos dos trabalhadores como forma de salvar a economia, sem redução
proporcional dos ganhos das empresas, dos diretores, acionistas e
burocratas do Estado, é antes de tudo ofensivo, além de ser
economicamente ineficaz.
De todo modo, é oportuno verificar esse argumento, que admite a
existência da sociedade do trabalho, da essencialidade do trabalho para a
estabilização e o desenvolvimento do modelo de produção capitalista e
das potencialidades desse modelo de criar emprego, com garantias
jurídicas, e não apenas trabalho, sem qualquer proteção, integrado à
fala daqueles que até dias atrás diziam que o trabalho não existe mais,
que estávamos vivendo a sociedade do fim do trabalho, sendo que
utilizavam essa retórica exatamente para dizer que quem possuía emprego
era um privilegiado e que privilégios não se coadunam com direitos.
d) “Terceirização não precariza”
Dizer que a terceirização não precariza é tentar fazer todo mundo de
idiota, afinal, a situação das condições de trabalho dos terceirizados
na realidade brasileira tem sido, há mais de 20 (vinte) anos, a de um
elevadíssimo número de acidentes do trabalho, inclusive fatais; de
trabalho em vários anos seguidos sem gozo de férias; de jornadas
excessivas; de não recebimento de verbas rescisórias; de ausência de
recolhimentos previdenciários e fundiários, sem falar do assédio
provocado pela discriminação e, mais propriamente, pela invisibilidade.
Neste aspecto, aliás, é bastante reveladora a preocupação do governo
federal, que em vez de se colocar contrário ao projeto, já que advindo
do denominado Partido dos Trabalhadores, tentou alterar o PL de modo a
evitar que a terceirização pudesse gerar prejuízos aos cofres do governo
no que se refere à falta de recolhimentos previdenciários, fundiários e
fiscais, buscando fazer com que tais obrigações fossem assumidas
diretamente pelas empresas tomadoras dos serviços. A preocupação do
governo, que acabou não sendo acatada, ao menos por enquanto, é uma
confissão de que terceirização precariza. É evidente, ademais, que se
uma empresa, que detém capital, contrata outra para a realização de
serviços, a tendência é a de que a empresa contratada não possua o mesmo
potencial capitalista, sofrendo muito mais facilmente as variações da
economia, descarregando as consequências sobre a parte mais fraca, os
trabalhadores. De todo modo, a forma tentada pelo governo em preservar o
seu interesse é uma ilusão porque a sua perda se consumaria mesmo que a
medida intentada fosse acatada, pois com a precarização os ganhos dos
trabalhadores tendem a diminuir, reduzindo, por conseguinte, a base
sobre a qual o governo faz suas arrecadações.
f) “Preocupação com o negócio principal”
Diz que a terceirização advém da “necessidade de que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu
negócio principal”
– grifou-se. Ocorre que o objetivo do PL é ampliar as possibilidades de
terceirização para qualquer tipo de serviço. Assim, a tal empresa
moderna, nos termos do PL, caso aprovado, poderá ter apenas
trabalhadores terceirizados, restando a pergunta de qual seria, então, o
“negócio principal” da empresa moderna? E mais: que ligação direta essa
empresa moderna possuiria com o seu “produto”?
E se concretamente a efetivação de uma terceirização de todas as
atividades, gerando o efeito óbvio da desvinculação da empresa de seu
produto, pode, de fato, melhorar a qualidade do produto e da prestação
do serviço, então a empresa contratante não possui uma relevância
específica. Não possui nada a oferecer em termos produtivos ou de
execução de serviços, não sendo nada além que uma instituição cujo
objeto é administrar os diversos tipos de exploração do trabalho. Ou
seja, a grande empresa moderna, nos termos do projeto, é meramente um
ente de gestão voltado a organizar as formas de exploração do trabalho,
buscando fazer com que cada forma lhe gere lucro. O seu “negócio
principal”, que pretende rentável, é, de fato, o comércio de gente, que
se constitui, ademais, apenas uma face mais visível do modelo de
relações capitalistas, que está, todo ele, baseado na exploração de
pessoas conduzidas ao trabalho subordinado pela necessidade e falta de
alternativa.
f) “Dupla garantia para os trabalhadores”
Diz-se que para os trabalhadores o PL é um avanço porque com ele os
trabalhadores teriam duas entidades a lhes garantir a efetividade dos
direitos: a prestadora (sua empregadora) e a tomadora.
Primeiramente, vale o registro de que o PL permite que a própria
prestadora terceirize, pois se toda empresa pode terceirizar sua
atividade-fim, a empresa de terceirização, cuja finalidade é
comercializar gente, também poderá, ela própria, terceirizar. Aliás, o
PL faz alusão a essa possibilidade expressamente.
Então, segundo o argumento utilizado, esse trabalhador
“quarteirizado” teria ainda mais garantias que o terceirizado, o que já
demonstra o absurdo da argumentação, pois é por demais evidente que
quanto mais o capital se organiza em relações intermediadas, mais o
capital das prestadoras de serviço se fragiliza, fazendo com que,
obviamente, se diminua a participação do trabalho na distribuição da
riqueza produzida.
O que a tomadora, considerada como aquela que efetivamente detém
capital, pode fazer é garantir o ressarcimento econômico de direitos que
não foram cumpridos, mas esses direitos, na dinâmica da intermediação,
já foram reduzidos. Além disso, o percurso para se chegar a essa
garantia é necessariamente judicial, vez que não há fórmula que obrigue a
tomadora à prática de tal ato senão pela via do processo na Justiça do
Trabalho. No processo, prevê-se uma extensa discussão acerca dessa
responsabilidade, fazendo com que o recebimento do trabalhador de seus
direitos diretamente da tomadora seja incerto e demorado.
Aliás, cumpre advertir que as lides processuais, no contexto de um
modelo de produção que tem a terceirização como regra, tendem a se
complicar excessivamente, com número elevado de empresas reclamadas em
que cada processo e, consequentemente, com majoração de incidentes
processuais, recursos etc.
O Judiciário trabalhista, que já se encontra atolado, embora ainda
consiga prestar um serviço razoavelmente satisfatório, tende a entrar em
estado pleno de falência institucional, provocando, e vendo
retroalimentados os seus problemas, a prática do desrespeito deliberado e
reiterado da legislação trabalhista.
Em suma, com a terceirização, o trabalhador não está duplamente
garantido, mas verá multiplicar em várias vezes a sua dificuldade de
fazer valer seus direitos, que, vale repetir, já serão reduzidos, caso
acatada a estratégia contida no PL 4.330.
g) Efeito concreto
Por fim, falando de forma mais clara da realidade, o que se almeja
com o PL 4.330, que, vale reforçar, está sendo incentivado por segmentos
empresariais ligados ao grande capital, não é, e não poderia mesmo ser,
a melhoria da condição de vida dos trabalhadores e a efetividade plena
dos direitos trabalhistas.
Esquematicamente falando, o que se pretende com o PL 4.330 é:
-
fragmentar a classe trabalhadora;
- dificultar a formação da
consciência de classe;
- estimular a
concorrência entre os trabalhadores;
- difundir com mais facilidade as
estratégias de gestão baseadas em fixação de
metas impossíveis de serem alcançadas e
assediantes, detonadoras da
auto-estima;
- incentivar práticas
individualistas e, consequentemente, destrutivas da
solidariedade;
- inibir a capacidade de
organização coletiva;
- minar o
poder de resistência e de luta dos trabalhadores;
- aumentar a
submissão (juridicamente apelidada de subordinação) do trabalhador;
- facilitar a
mercantilização da mão-de-obra.
A terceirização, disseminada como legítima e sem qualquer limite ou
peia, permite que esses efeitos se produzam muito mais facilmente, ainda
mais quando se utilizem das técnicas administrativas que lhe são
características, tais como constantes
trocas de horários de trabalho,
alterações de postos de trabalho e intensificação da
rotatividade de mão-de-obra.
Tudo isso somado, por certo, faz prever um cenário de grandes perdas e
sofrimentos para a classe trabalhadora com a aprovação do PL 4.330,
representando, como dito pelo sociólogo Ruy Braga, “a maior derrota
popular desde o golpe de 64”[3], mas isso caso seja, de fato, aplicado
na forma imaginada e planejada pelo setor econômico.
Ocorre que as complexidades do mundo jurídico vão bem além das
vontades daqueles que, detendo hegemonia econômica, se consideram também
os “donos do poder”. Como já advertido em outro texto, é uma ilusão
considerar que “a ordem jurídica constitucional, que foi pautada pela
lógica da prevalência dos Direitos Humanos e da proeminência dos
Direitos Sociais, exatamente para inibir que os interesses puramente
econômicos fossem utilizados como argumentos para reduzir o patamar de
civilização historicamente alcançado, possa ser utilizada como
fundamento para garantir valores sem qualquer sentido social, como a
‘liberdade de contratar’ e a ‘segurança jurídica’”, sendo certo que não
será “uma lei ordinária, votada por pressão da bancada empresarial, que
vai conseguir fazer letra morta da Constituição ou mesmo impedir que
juízes trabalhistas cumpram o seu dever funcional de negar vigência a
qualquer lei que fira a Constituição e impeçam a eficácia dos Direitos
Humanos e dos Direitos Fundamentais Sociais”[4].
3. Enfrentamento
Essa característica do âmbito jurídico faz pressupor que diante de
eventual aprovação do PL 4.330/04, por mais trágico que possa ser para a
classe trabalhadora, muitas novas tensões advirão, até porque não é
minimamente razoável imaginar que o projeto constitucional de justiça
social e a racionalidade dos Direitos Humanos não sejam defendidos de
forma firme e consistente pelos profissionais ligados ao Direito do
Trabalho e às diversas áreas do conhecimento que se interligam com o
mundo do trabalho.
Não cabe neste momento antecipar os vários argumentos jurídicos que
poderão ser utilizados como resistência a essa tentativa de derrocada da
ordem constitucional, vez que a luta agora ainda é pela rejeição do PL
4.330/04.
De todo modo, para que se tenha um pouco do alcance desse movimento
de resistência, vale o registro do Manifesto, expedido em 12 de abril de
2015, pela Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito Social, com o
seguinte teor:
Manifesto contra o PL 4.330
A Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito Social (RENAPEDS),
formada por Grupos ligados ao Direito do Trabalho e ao Direito da
Seguridade Social, instituídos em diversas Universidades do país (USP,
UFRJ, UNB, UFPE, UFMG, UFPR, UniBrasil/PR, UVV, UFC e PUC-Minas), cujos
coordenadores estão abaixo nominados, vem a público manifestar sua firme
oposição ao PL 4.330, vez que tal projeto de lei, a despeito de
prometer a efetividade dos direitos trabalhistas e a ampliação das
oportunidades de emprego, serve, na verdade, para dividir ainda mais a
classe trabalhadora, a tal ponto de impossibilitar sua organização e
mobilização sindical. Com isso, favorece a redução concreta dos direitos
dos trabalhadores, o que contraria, frontalmente, o objetivo da
Constituição Federal, que é o da melhoria da condição social e econômica
da classe trabalhadora.
Neste contexto a RENAPEDS repudia qualquer argumento baseado em
dificuldade econômica ou melhoria da competitividade que tenha como
propósito inverter os princípios constitucionais dos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa, da dignidade da pessoa humana e do
desenvolvimento econômico conforme os ditames da justiça social. Cumpre
lembrar, neste tema específico, que a terceirização, presente no cenário
das relações de trabalho no Brasil há 22 anos, já deu mostras
suficientes dos danos que gera à classe trabalhadora com os diversos
casos de trabalho em condições análogas a de escravo, elevado número de
acidentes do trabalho, jornadas excessivas, baixos salários, não
recebimento de verbas rescisórias, além do natural efeito da
invisibilidade a que são conduzidos os terceirizados, tudo isso sem
nenhum benefício concreto para as empresas tomadoras de serviços e para a
economia em geral, tanto que adveio essa reivindicação de ampliação da
terceirização exatamente sob o fundamento de que seria necessária para
“estimular a economia” em franca desaceleração.
A RENAPEDS vale-se do ensejo da discussão do PL 4.330, quando se
reconhecem as perversidades da terceirização, notadamente no que se
refere às precarizações nas relações de trabalho, para encaminhar uma
agenda política voltada à eliminação de toda e qualquer modalidade de
terceirização, sobretudo no setor público, em que nem mesmo os
argumentos falaciosos de especialidade e de aprimoramento da
competitividade têm algum tipo de pertinência, ainda mais porque a
prática fere a exigência constitucional do acesso ao serviço público
mediante concurso de provas e títulos, além de facilitar a corrupção, o
nepotismo e o aumento desmesurado dos gastos públicos.
Por fim, serve o presente manifesto também para deixar claro que caso
venha a ser aprovado o PL 4.330 todos os esforços jurídicos pertinentes
serão levados a efeito para inviabilizar a concretização da ofensa aos
princípios constitucionais e a institucionalização da barbárie.
Brasil, 12 de abril de 2015.
Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT (UFRJ)
Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica (UFPE)
Trabalho e Regulação no Estado Constitucional – GP-TREC (UniBrasil/PR)
Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC (USP)
Direitos Humanos, Centralidade do Trabalho e Estudos Marxistas (USP)
Núcleo de Estudos em Empresas, Mercado e Regulação (UVV)
Núcleo de Pesquisa Trabalho Vivo (UFPR)
Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB)
GRUPE (UFC)
Adib Pereira Netto Salim
Aldacy Rachid Coutinho
Cláudio Jannotti da Rocha
Daniela Muradas Reis
Daniele Gabrich Gueiros
Everaldo Gaspar Lopes de Andrade
Francisco Gerson Marques de Lima
Gabriela Neves Delgado
Grijalbo Fernandes Coutinho
Hugo Cavalcanti Melo Filho
Jorge Luiz Souto Maior
Juliana Teixeira Esteves
Leonardo Wandelli
Márcio Túlio Viana
Marcus Orione Gonçalves Correia
Maria Cecília Máximo Teodoro
Rodrigo de Lacerda Carelli
Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva
Sérgio Torres Teixeira
Valdete Souto Severo
Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
[1]. Vide, por exemplo:
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz2006SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Terceirização na
administração pública – uma prática inconstitucional. Revista LTr, v.
70, p. 1307-1317, 2006.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A terceirização e a lógica do mal. In:
Adriana Goulart de Sena, Gabriela Neves Delgado. (Org.). Dignidade
humana e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do
trabalho no Brasil. 1ed. São Paulo: LTr, 2010, v. , p. 23-32.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Enunciado 331, do TST, ame-o, ou
deixe-o!Revista Trabalhista: direito e processo: Brasília, DF, n.4,
out./dez. 2002.
- http://www.conjur.com.br/2013-set-08/jorge-luiz-souto-maior-terceirizacao-elimina-responsabilidade-social-capital
- http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/handle/1939/3812
-
http://boletimcientifico.escola.mpu.mp.br/boletins/boletim-cientifico-n.-17-2013-outubro-dezembro-de-2005/terceirizacao-na-administracao-publica-uma-pratica-inconstitucional
- http://sindiquinze.jusbrasil.com.br/noticias/2658470/juiz-da-15-regiao-escreve-carta-aberta-sobre-terceirizacao
- https://www.youtube.com/watch?v=dGcaQvQ8hKk
- http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2012/04/a-terceirizacao-e-a-exploracao-de-forma-explicita-afirma-juiz-do-trabalho
- http://www.sinttelmg.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=605
- http://www.amdjus.com.br/doutrina/trabalhista/320.htm
- http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI100181,31047-Etanois+Neles
- http://www.anamatra.org.br/index.php/artigos/mineiros-do-chile-e-soterrados-do-brasil
- http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/as-Reginas-a-paz-e-os-direitos-/5/30175
- http://www.viomundo.com.br/denuncias/jorge-souto-maiordesprezo-total-da-usp-pelo-salario-atrasado-das-terceirizadas.html
[2]. Vide, a propósito, o texto, “Modernidade e Direito do Trabalho”,
in:
http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/52486/008_soutomaior.pdf?sequence=1
[3].
http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceirizacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html,
acesso em 12/04/15.
[4]. http://blogdaboitempo.com.br/2015/04/06/pl-4-33094-maldade-explicita-e-ilusao/, acesso em 12/04/15.