Leia Mais:http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,estado-fez-acordo-com-pcc-para-cessar-ataques-de-2006--mostra-depoimento,1732413
Assine o Estadão All Digital + Impresso todos os dias
Siga @Estadao no Twitter
Estado fez acordo com PCC
para cessar ataques, diz depoimento
Alexandre
Hisayasu - O Estado de S. Paulo
27 Julho
2015 | 03h 00
Delegado afirmou à Justiça que participou de
reunião entre Marcola, chefe da facção, e representantes da cúpula do governo
em presídio
SÃO PAULO
- Depoimento obtido com exclusividade pelo Estado mostra que
representantes da cúpula do governo estadual fizeram um acordo com o chefe do
Primeiro Comando da Capital (PCC), Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola,
para pôr fim à onda de ataques da facção criminosa, em maio de 2006. A reunião
foi feita dentro do presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes.
Relacionadas
A
declaração, do delegado José Luiz Ramos Cavalcanti, foi dada durante depoimento
em processo judicial que investigou advogadas supostamente ligadas ao crime
organizado. Ele foi um dos escolhidos pelo governo para participar do encontro
em 2006. Apesar de essa possibilidade ter sido divulgada na época dos
atentados, o governo do Estado sempre negou o acordo com o PCC e admitiu apenas
que a conversa com Marcola foi uma condição para a rendição da facção.
Marcola
concordou que preso falasse com lideranças da facção; celular foi usado na
cadeia
A
proposta do crime organizado foi levada pela advogada Iracema Vasciaveo, então
presidente da ONG Nova Ordem, que defendia o direito dos presos e, na época,
representava o PCC: se os responsáveis pelo comando dos atentados nas ruas
fossem informados de que Marcola estava bem fisicamente, que não havia sido
torturado por policiais e que os presos amotinados não seriam agredidos pela
Polícia Militar, os ataques seriam encerrados.
O recado
deveria ser dado pelo próprio chefe do PCC. O papel de Iracema era convencer
Marcola a aceitar a ideia.
A cúpula
das secretarias de Segurança Pública e da Administração Penitenciária, cujos
chefes na época eram Saulo de Castro Abreu Filho e Nagashi Furukawa,
respectivamente, aceitaram a ideia da advogada. O então governador, Claudio
Lembo, autorizou o encontro.
Missão. No depoimento, que está no
processo criminal 1352/06, Cavalcanti conta que recebeu uma ligação em 14 de
maio, dois dias depois do início dos ataques, do seu chefe Emílio Françolim -
diretor do Departamento de Narcóticos, o Denarc -, convocando-o para a viagem.
Na ocasião, dezenas de policiais já haviam sido mortos em atentados.
A missão
do delegado era acompanhar a advogada Iracema Vasciaveo até o Presídio de
Presidente Bernardes. Os dois e mais o corregedor da Secretaria da
Administração Penitenciária, Antonio Ruiz Lopes, foram no avião da PM até
Presidente Prudente, onde se encontraram com o comandante da região, coronel Ailton
Brandão, e seguiram para o presídio.
00:00 /
00:00
Cavalcanti
contou que Ruiz Lopes e o diretor do Presídio de Presidente Bernardes, Luciano
Orlando, autorizaram que a advogada entrasse com celulares. Todos ficaram em
uma sala e Marcola foi levado por um agente penitenciário. Iracema então se
apresentou e começou a conversar com o chefe do PCC. Inicialmente, ela tentou
convencê-lo a falar ao celular com outro criminoso, que comandava os ataques -
o homem nunca foi identificado pela polícia.
Marcola
se recusou. Ele teria lamentado a morte tanto de policiais quanto de bandidos.
A advogada insistiu e, finalmente, o chefe do PCC aceitou a proposta. Como não
fala ao celular, ele pediu para chamar o preso Luis Henrique Fernandes, o LH,
que é de sua confiança.
Segundo
Cavalcanti, “LH foi trazido para a sala e Marcola disse que ele poderia falar
ao telefone e dar a mensagem da advogada; LH concordou, e a advogada entregou o
seu telefone, que já tinha um número previamente gravado na memória, para onde
LH ligou e conversou com uma pessoa desconhecida”.
O
delegado negou a proposta de qualquer acordo, mas disse que Marcola pediu que a
polícia respeitasse o direito dos presos, o que lhe foi garantido pelo comando
da PM. Cavalcanti ainda relatou que “supõe que o bloqueador de celular tenha
sido desligado”, pois LH fez algumas tentativas antes de completar a ligação.
Por fim, declarou que “no fim daquele dia e no dia seguinte os ataques
definitivamente pararam”. O policial não quis dar entrevista, mas confirmou as
declarações.
Celulares. A advogada Iracema Vasciaveo
confirmou os fatos narrados por Cavalcanti. Segundo ela, a situação estava
“fora de controle”. Ela contou que, quando recebeu a proposta dos bandidos,
levou ao conhecimento de colegas na Polícia Civil.
“Naquele
domingo (14 de maio de 2006), recebi um telefonema com uma ordem: que eu fosse
para o Campo de Marte, porque de lá seguiria para Presidente Bernardes.” Lá, a
advogada afirma que recebeu de um policial os celulares usados no presídio.
Ela
também rejeita a palavra “acordo”. Segundo Iracema, “havia uma chance para
encerrar os ataques, e tudo foi feito para que isso fosse possível”.