FHC PERDEU CHANCE DE FICAR QUIETO
Nem por oportunismo rasteiro Fernando Henrique Cardoso deveria
juntar-se ao coral que aplaude as prisões dos condenados da ação penal
470.
Em pronunciamento, ontem, o ex-presidente empregou
termos duros. Referindo-se às denuncias dos prisioneiros e seus
advogados, que tem críticas consistentes ao julgamento, como tantos
juristas independentes também apontam, chegou a dizer: “temos de dar um basta nisso. Chega de desfaçatez.”
“Desfaçatez?”
“ Basta?”
O retrospecto do PSDB e de seu governo não autorizam um discurso nestes termos.
FHC só manteve-se no Planalto por oito anos depois de conquistar o
direito de disputar a reeleição num esquema de compra de votos onde se
demonstrou aquilo que apenas se disse sobre o mensalão de Delúbio e
Valério.
O repórter Fernando Rodrigues publicou, já naquela
época, o depoimento de um certo senhor X, que organizou os pagamentos de
parlamentares. Trouxe o depoimento, gravado, de um parlamentar que
assumia ter embolsado o dinheiro. No livro Príncipe da Privataria,
Palmério Doria completou o serviço. Entrevistou o próprio senhor X,
revelou sua identidade verdadeira e explica que ele comprou 150
parlamentares.
Outro dia, conversei com um deputado do PP que
assistiu ao mercado da reeleição e me disse o seguinte: “O pessoal
votava a favor e na saída do plenário já tinha gente esperando para
acertar o pagamento junto a doleiros. Não tinha erro. ”
FHC
falou em tom crítico sobre adversários políticos que se tornaram
prisioneiros, enfrentando medidas duras e espetaculares de Joaquim
Barbosa criticadas até por outros ministros do STF. A verdade é que
muitos prisioneiros da ação penal 470 foram mais próximos de seu governo
do que se costuma admitir.
Marcos Valério começou a se
aproximar das verbas do Visanet a partir dos diretores que o PSDB
instalou no Banco do Brasil durante o governo de Fernando Henrique.
Foram eles, no segundo mandato de FHC, que assinaram os primeiros
contratos com a agência DNA, que seriam apenas renovados depois da posse
de Lula.
O diretor responsável pelos pagamentos à DNA –
aqueles que Joaquim Barbosa diz que foram desviados para subornar
políticos – era um homem de confiança do governo Fernando Henrique, um
diretor chamado Leo Batista.
Ele tinha esse papel no governo
FHC. Seguiu na função depois de 2003. Se alguém foi tão decisivo para o
esquema que desviou R$ 73 na versão da acusação, seu nome não é Henrique
Pizzolato, hoje foragido na Itália, mas Leo Batista. Estava acima de
Pizzolato e tinha a prerrogativa de assinar os cheques.
FHC
fez elogios às prisões ao lado de estrelas graúdas do PSDB. Uma delas
era Geraldo Alckmin, cujo governo afunda-se em três gerações de
governadores denunciados no propinoduto Alston-Siemens. Outro era o
presidenciável Aécio Neves. Conforme a CPMI dos Correios, durante seu
governo estatais mineiras fizeram dezenas de milhões de reais em
depósitos nas contas da DNA. Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios de
Valério na agência, eram publicitários de reputação firmada no Estado.
As relações de Cristiano Paz com Aécio se assemelham às relações de
Nizan Guanaes com Fernando Henrique. Hollerbach integrou a coordenação
da campanha de Aécio em 2002.
Um ditado popular ensina que
não se deve falar de corda em casa de enforcado mas o retrospecto mostra
que há fundamento para o FHC portar-se como se nada tivesse a ver com
estes fatos e pessoas. Em 1997 o procurador Geraldo Brindeiro
encarregou-se de enterrar a denuncia da compra de votos e a maioria
tucana impediu que se fizesse uma CPI. Embora um homem de confiança do
PSDB tenha sido o responsável final pelos pagamentos para a agência de
publicidade do mensalão, nenhum deles foi investigado na ação penal 470.
Por uma questão de hierarquia, deveria ter sido mais investigado do que
Pizzolato. Pela proximidade, era um caso típico de co-autoria. Sua
investigação ocorreu em segredo, num inquérito paralelo, cuja existência
só veio a público durante o próprio julgamento.
O
propinoduto paulista foi investigado até na Suíça mas é alvo permanente
de um esforço para arquivar qualquer indicio e toda denúncia que possa
envolver os tucanos e seus amigos. O procurador Rodrigo de Grandis
recebeu oito solicitações do Ministério da Justiça para prestar
esclarecimentos e não atendeu a nenhuma. O mensalão PSDB-MG está sendo
investigado na primeira instância, em Belo Horizonte, com vagarosidade
espantosa e metodologia diversa. Enquanto os réus da ação penal 470 não
tiveram direito ao duplo grau de jurisdição, o STF autorizou que os
mineiros tivessem um julgamento na primeira instancia e, mais tarde, um
segundo julgamento. Entre os petistas, viveu um clima de guerra civil
para um pequeno grupo de condenados conseguir, após diversos lances de
chantagem dos meios de comunicação contra Celso de Mello, o direito de
apresentar embargos infringentes sobre uma das penas recebidas.
Como parece difícil de negar, a principal diferença entre escândalos tucanos e ação penal 470 é a blindagem.
Esse acesso assegurado a impunidade – 100% garantida até aqui
na maioria dos casos – mostra que o PSDB não apenas dedicou-se às mesmas
práticas que condena nos adversários, como tantos indícios confirmam,
mas construiu um impenetrável muro de proteção sobre seus atos, situação
que apenas eleva a gravidade do atos que cometeu.
Vamos combinar que não é um motivo honroso para FHC falar contra a “ desfaçatez” dos adversários.
Derrotado por Jânio Quadros na disputa pela prefeitura em 1985,
quase ministro de Fernando Collor em 1990, Fernando Henrique pode sentir
de perto os efeitos nocivos do nosso moralismo. Tem experiência demais
para dedicar-se a ele.
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