Eleições chilenas devem recompor mapa ideológico dos governos na América do Sul
A grande imprensa brasileira
praticamente ignora, mas a provável vitória de Michelle Bachelet traz em
si uma série de lições para a democracia do continente
por Fabiano Santos, para a Carta Maior
publicado
16/11/2013 11:06
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CC / emol.com
A virtual presidenta do Chile, Michelle Bachelet: socialista, mulher e fortalecida por alianças com forças progressistas
São Paulo – O grande fato
político no continente sul-americano neste final de ano é a eleição
presidencial no Chile. Vários fatores tornam o próximo domingo de suma
importância no desdobramento da geopolítica sul-americana, embora a
grande imprensa brasileira não esteja fazendo cobertura digna do
acontecimento, fato que evidentemente não chega a nos surpreender.
O primeiro e óbvio ponto consiste na provável
vitória em primeiro turno da socialista e ex-presidenta Michelle
Bachelet que está concorrendo pela coalizão denominada de “Nova
Maioria”, substituta da tradicional “Concertação”, pela qual havia sido
eleita em 2005 e que governou o Chile da redemocratização até 2010. A
principal diferença vis à vis ao modelo da “Concertación” consiste na
inclusão do Partido Comunista (PC) no conjunto de agremiações a fazerem
parte da aliança.
Um segundo ponto relevante: com a vitória de
Bachellet, a esquerda recompõe o mapa ideológico dos governos na
América do Sul, parcialmente desfeito com o predomínio da direita no
Chile desde 2010. A se confirmar o resultado, teremos de novo um quadro
no qual apenas Colômbia continuará tendo como governante presidente
oriundo do campo conservador.
Além disso, voltaremos a assistir uma
distribuição de gênero mais equilibrada na chefia dos executivos dos
países sul-americanos. Assim, uma mulher, de tradição esquerdista,
adepta de uma visão integracionista do continente, muito provavelmente
voltará a governar aquela importante nação.
Um terceiro ponto de evidente relevância diz
respeito à baixa popularidade do atual presidente Sebástian Pinera, da
Renovação Nacional (RN), uma das agremiações a compor a coalizão de
direita conhecida por “A Aliança”, a outra sendo a União Democrática
Independente (UDI). Pinera, em 2009, derrota o candidato
democrata-cristão Eduardo Frey e interrompe ciclo de 20 anos de governo
de centro-esquerda da “Concertação”.
Interessante observar que a economia chilena
cresce durante todo o atual ciclo presidencial a taxas em torno de 5%
do PIB (tendendo a um ligeiro declínio neste último ano de mandato),
porém, sua aprovação, isto é, a taxa dos que consideram o governo ótimo
ou bom, não ultrapassa a marca dos 27%. Isto prova que crescimento
econômico, embora em geral associado a bom desempenho eleitoral de
governos incumbentes, não é condição suficiente para uma vitória
eleitoral.
Chegamos ao quarto ponto entre os vários que
tornam a conjuntura chilena particularmente importante. Bachelet, ela
própria, quando teve seu candidato derrotado em 2009 pela direita
representada por Pinera, gozava de algo em torno de 80% de
popularidade, isto por conta da eficiência no trato dos efeitos da crise
financeira internacional irrompida um ano antes.
Dois fatores foram decisivos para o fracasso
da “Concertacion”: a divisão interna da coalizão, motivada pela
indicação do ex-presidente Eduardo Frey, do Partido Democrata Cristão
(PDC), como seu candidato, e a dificuldade em aprovar e levar à frente
políticas sociais, há muito reivindicado por amplos segmentos da
sociedade, em particular, a questão educacional.
Agora, com a direita no governo, o quadro
praticamente se inverte – a direita se encontra dividida e as políticas
sociais sequer constaram das preocupações governamentais. Ou seja,
mais uma vez o bom desempenho na economia não garantiu a lealdade dos
eleitores nas urnas.
Um quinto ponto decorre diretamente da questão
discutida acima. O Chile, a despeito de anos de crescimento econômico,
não tem sido capaz de enfrentar seus principais e seculares desafios: o
da erradicação da pobreza e diminuição da desigualdade. Em outras
palavras, a agenda dos eleitores chilenos é uma agenda social.
Um sistema educacional básico e universitário
mais inclusivo, menos discriminação étnica, de gênero e de orientação
sexual, além de maior participação do setor público nos sistemas de
saúde e de pensões são os principais itens do debate político chileno e
a candidatura da Bachelet se propõe justamente a atacar tais pontos.
Neste sentido, tal candidatura assume perfil
nítida e agressivamente esquerdista, nem por isso se tornando menos
competitiva ou afastando do seu entorno parceiros tradicionais mais ao
centro do espectro, como o PDC e o PPD (Partido Pela Democracia).
A agenda é basicamente social no Chile porque sua Constituição, ao
contrário da brasileira, é obra da ditadura do general Pinochet. Vários
e poderosos pontos de veto foram criados tendo em vista dificultar e
inviabilizar reformas de inspiração socialista. Embora o socialista
Ricardo Lagos, durante o período presidencial de 2001 a 2005, tenha
desfeito algumas das mais importantes aberrações, no âmbito social
pouco se avançou naquela direção. Os movimentos e agitações sociais de
2011, violentas e traumáticas em diversas ocasiões, tiveram na origem
exatamente este tipo de insatisfação e frustração.O sexto e crucial ponto que a conjuntura chilena nos traz incide exatamente sobre a questão dos protestos. Várias jovens lideranças das jornadas de outubro passaram a fazer política partidária, filiando-se ao Partido Comunista, concorrendo em eleições locais e agora se articulando com os socialistas, tendo em vista redefinir a hegemonia do processo político chileno.
Bachelet, ela mesma, afirma que o propósito da reconfiguração da coalizão é a de compor uma nova maioria política e societal no país, maioria capaz de superar os pontos de vento existentes no sistema político e aprovar medidas de inclusão no campo social.
Talvez seja essa, a de procurar uma equilibrada composição dos elementos representativos e participativos da democracia, a principal lição chilena na conjuntura atual.
fonte: redebrasilatual
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