sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Gente poderosa atua nessa regiao,

Impactos dos agrotóxicos na Chapada do Apodi



EMPRESAS TRANSNACIONAIS do agronegócio descobriram as fartas, férteis e baratas terras da Chapada do Apodi e do Tabuleiro de Russas, no baixo vale do rio Jaguaribe, no Ceará. Terras já irrigadas por um perímetro construído pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs), nos anos 1990, e ainda localizadas sobre o enorme Aquífero Jandaíra. Somaram-se as condições climáticas, infraestrutura (como estradas e portos) e incentivos fiscais por parte dos governos.
Foi assim que, desde o final dos anos 1990, foram se instalando na Chapada as monoculturas de banana, melão, abacaxi e mamão, trazidas por empresas do agronegócio da fruticultura irrigada. Interligado a isso, cresce o consumo de venenos no estado: de 2005 a 2009, aumento de 963,3% nos ingredientes ativos (6.493 toneladas em 2009). É um negócio de grande porte.
Os problemas causados pela contaminação vieram em seguida, agravados pela fragilidade das políticas públicas de monitoramento, vigilância, fiscalização, controle. Uma equipe da Universidade Federal do Ceará (UFC) detectou a presença de 22 princípios ativos de agrotóxicos - dentre eles inseticidas, fungicidas, herbicidas e acaricidas – na água que é fornecida para as diversas comunidades que vivem na Chapada. São venenos usados principalmente para combater pragas, alguns extremamente tóxicos. Na água de beber de algumas comunidades, foram detectados 12 tipos diferentes de princípios ativos. Além da aplicação através de trator – no cultivo do abacaxi, por exemplo, são 82 mil litros de calda tóxica por noite – há também a pulverização aérea na monocultura da banana. São 2.950 hectares banhados com venenos extremamente tóxicos, muito perigosos, em um total estimado em 4.425.000 litros de calda tóxica nos últimos 10 anos. As comunidades denunciam a morte de animais domésticos, relacionam várias queixas de saúde e temem os efeitos crônicos da malformação congênita aos cânceres.
Um estudo realizado pelo governo estadual detectou a presença de venenos até nas águas subterrâneas, preciosamente reservadas no Aquífero Jandaíra.
Assassinato
Nesse contexto, em 21 de abril deste ano, um trabalhador foi brutalmente assassinado com 18 tiros. Zé Maria do Tomé esteve à frente do movimento que conseguiu aprovar, na Câmara de Vereadores de Limoeiro do Norte, uma lei que proibia a pulverização aérea. A Câmara de Vereadores revogou a lei um mês após seu assassinato.
Foi concluído também o estudo do caso de um trabalhador, que atuou por três anos e meio no almoxarifado químico da monocultura de abacaxi, e faleceu com 29 anos, vítima de uma grave doença hepática (do fígado) crônica, causada pelos tóxicos. Os colegas da vítima também apresentaram alteração na função do fígado. Do total, 53% já têm marcas da exposição diária a agrotóxicos no trabalho. As empresas muitas vezes não respeitam as medidas de segurança, como período de re-entrada, informação do trabalhador, condições de se lavar depois de trabalhar com veneno e antes de comer, além dos equipamentos de proteção individual.
Sem pagar impostos
Outra descoberta importante da pesquisa, junto à Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), foi que o governo do Ceará decretou isenção de 100% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e outros impostos para produção e comercialização de agrotóxicos. O governo, em vez de sobretaxar esses tóxicos nocivos à saúde e ao ambiente – como se faz com o álcool e o fumo – torna o produto mais barato, estimulando o consumo e ampliando os custos dos danos à sociedade.
O Núcleo Tramas (do Departamento de Saúde Comunitária da UFC) descobriu também, em pesquisa-ação envolvendo a equipe de Saúde da Família do Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de Quixeré, que o agronegócio atraiu a migração de trabalhadores, a prostituição e as drogas. E que as leis e normas sobre o que a atenção básica deve fazer pela saúde do trabalhador e pela saúde ambiental não estão sendo cumpridas. Todos puderam se dar conta das profundas transformações induzidas pelo agronegócio na região, inclusive problemas sociais que envolvem questões de gênero, classe e etnia.
Resistência
Na contramão desse modelo, comunidades vêm resistindo e investindo na transição para a agroecologia, criando formas de conviver com o semi-árido, aproveitando a água da chuva, criando abelhas e produzindo mel, associando ovinocultura com sistema agrosilvopastoril, e acreditando fortemente na organização comunitária.
A pesquisa está identificando que a exposição aos agrotóxicos ocorre de forma diferenciada em cada segmento social: os trabalhadores do agronegócio e os pequenos proprietários, que atuam como terceirizados das grandes empresas exportadoras; os pequenos produtores, voltados para o mercado local; os assentados da Reforma Agrária e as comunidades em transição agroecológica.
Cada um deles precisa de políticas públicas integradas, participativas, eficazes para dar respostas aos enormes desafios e garantir o direito à saúde e ao meio ambiente saudável, como decidiu a nossa Constituição Federal. O problema é: será que os poderosos atores que desenham e conduzem o atual modelo de desenvolvimento vão investir nestas políticas? Com certeza, os movimentos sociais têm muito a fazer neste campo. Além disso, é na luta que a pesquisa ganha sentido.
A Pesquisa “Estudo epidemiológico da população da região do Baixo Jaguaribe exposta à contaminação ambiental em área de uso de agrotóxicos” é realizada pelo Núcleo Tramas – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade da Faculdade de Medicina da UFC e apoiada pelo CNPq e Ministério da Saúde.

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